segunda-feira, 16 de maio de 2011

Gorjeta – uma questão que não pode terminar em pizza e nem em samba

           Um dos sucessos imortalizados pelo sambista e compositor Noel Rosa é a música “Conversa
de Botequim”, em cujos versos o cliente faz várias exigências e recomendações ao garçom. Em outro
sucesso, “Garçom”,  desta vez de Reginaldo Rossi, o  profissional é ouvinte das  desilusões
sentimentais  do cliente. Em ambos os casos, se o garçom mostrar-se atencioso, provavelmente lhe
renderá uma compensação financeira a mais - a gorjeta.

           A questão da gorjeta, mais do que um simples reconhecimento pela presteza do profissional, é
um assunto jurídico, pois quando se perquire a natureza jurídica da mesma, contata-se que se trata de
parte integrante dos salários e, como tal, um direito indisponível do trabalhador.

          As gorjetas podem ser espontâneas, entendidas como aquelas que os clientes concedem aos
equilibristas de bandeja, independente de qualquer solicitação ou coerção. Já as gorjetas obrigatórias
são as que já vêm destacadas na nota fiscal, geralmente com o título de “serviços”. Tanto uma quanto
a  outra ajudam no cômputo do salário, sendo certo que em alguns casos as gorjetas ultrapassam
quaisquer outras rubricas como o salário base, as horas extras ou adicional noturno.

         Algumas Convenções Coletivas de Trabalho disciplinam a questão das gorjetas, entretanto,
não tem o condão de obrigar terceiros não participantes do acordo, como é o caso dos clientes.
Todavia, o que se quer salientar, é que sendo parte integrante dos salários, cabem sobre elas todos os
encargos sociais, como o FGTS.

          Há instrumentos coletivos que consideram uma percentagem sobre o salário base a título de
“Estimativa de gorjeta” quando esta for espontânea, pelo simples fato de não ser possível a sua
quantificação e divisão. A visualização com relação às gorjetas obrigatórias é mais complexa, mas de
fácil apuração, pois consiste em determinar que uma percentagem do total apurado com serviço  a
cada mês será rateado para os garçons e a outra será para que o empregador possa fazer face aos seus
encargos trabalhistas.

         A fraude surge quando o empregador desconsidera a natureza jurídica das gorjetas e paga
“por fora” o valor. Neste procedimento daninho, aparentemente ganha o empregador e o próprio
empregado por receber valor aparentemente maior do que aquele que legalmente teria por direito.
        Na verdade, ambas as partes advogam em ledo engano, pois no futuro tanto uma quanta a
outra podem sentir o  gosto amargo da ilegalidade. O empregador pode ter que ressarcir valores,
recolher encargos sonegados, tanto quando for demandado judicialmente quando numa ação fiscal
pelo Ministério do Trabalho e Emprego, como no caso concreto, onde no município de Cabo Frio,
exigi que os bares, restaurantes e similares fiscalizados recolhessem os valores fundiários incidentes
sobre as gorjetas pagas irregularmente e ainda pagassem diferença salarial levantada.Alguns empregadores até afirmaram que mudariam o nome da função para “Atendente de
         Mesa” em detrimento à garçom a fim de isentarem-se da obrigação, todavia, foram persuadidos a não
o fazer, pois não importa o nome, mas a função efetivamente exercida, conforme entendimento do
Princípio da Primazia da Realidade, segundo o qual o aspecto formal não pode prevalecer sobre a
realidade fática. Aliás, se não fosse assim, todos seriam Auxiliares de Serviços Gerais, dado a
generalidade da denominação.

         No tocante ao prejuízo por parte do empregado, além de não ter depositado o FGTS incidente
sobre o valor da gorjeta paga por fora, no caso de dispensa sem justa causa perde a multa dos 40%
sobre o acumulado  do valor retromencionado bem como a média da verba variável que deixa de
integrar a maior remuneração para fim rescisório, 13º, férias.

       Frisa-se que, em alguns casos, a irregularidade pode chegar ao ápice, quando o empregador não repassa valor algum a título das gorjetas devidas aos seus empregados.
Aliás, o termo “empregados” foi propositalmente empregado, pois há Acordos Coletivos estendendo
a gorjeta aos demais empregados dos restaurantes e similares, como as cozinheiras.
          Entretanto, não podemos omitir que a jurisprudência  limitou o entendimento da gorjeta,
entendendo que a mesma não é salário no sentido estrito que a lei confere à palavra, não integrando a
base para aviso prévio, adicional noturno, adicional de horas extras e repouso semanal remunerado
(Enunciado 354 do TST), todavia, com relação às parcelas de férias, inclusive ao acréscimo de um
terço, de décimo terceiro salário e FGTS, a jurisprudência do TST entende que as gorjetas têm
natureza de remuneração e devem repercutir sobre a indenização desses itens, além do salário
recebido.

         O fato é que o Enunciado não é lei, mas tão somente uma orientação. E a lei laboral em seu
artigo  457 disciplina a matéria rezando que “compreendem na remuneração do empregado,  para
todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como
contraprestação do serviço, as gorjetas que receber”. Assim, entre o Enunciado e a lei, fico com esta.

         Um bom atendimento é obrigação de todo profissional. Para o garçom vale uma gorjeta, para
o estabelecimento o retorno do cliente e para um profissional o motivo para escrever um texto.

Bibliografia:
BRASIL,  Decreto-Lei n.º 5.452,  de 1º de maio de 1943, disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/Del5452.htm, acessado em 14 de maio 2011.
BRASIL, Tribunal  Superior do  Trabalho, disponível em
http://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:tribunal.superior.trabalho:sumula:2011;354, acessado em 14
maio  2011.