sexta-feira, 26 de junho de 2015

Ser negro


            Dificilmente abordo temas raciais, pois acredito que quanto mais falo de diferenças, mais as evidencio. Se todos são iguais, não faz sentido falar em direitos do negro, defesa do índio e outros mais, mas sim da dignidade que a pessoa humana merece.
            Entretanto, nesta semana li uma publicação aparentemente inocente que reafirmou minha crença que o estereótipo do negro não é marcado tão somente pelos lábios grossos e pele negra, há um pouco de generalização, que as pessoas insistem em repetir sem conhecimento de causa.
            Essa coisa do estereótipo é interessante, pois até mesmo a região de origem pode taxar a pessoa, como no caso do carioca. Nós, da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, temos a fama de esperto, malandro, aproveitador e pouco chegado ao trabalho. Apesar de adorarem nosso humor, nossa hospitalidade e nosso trato quase fraternal com quem mal conhecemos, carregamos a pecha de tirar proveito em qualquer situação, o que provoca desconfiança à primeira vista. Ainda bem que não é a primeira impressão a que fica.
            Daí as pessoas agirem de forma contraditória quando se está diante de uma situação inesperada, chegando as declarações serem inusitadas. Se tem uma coisa que me chateia é quando me chamam de “doutor”. Por que doutor se não fiz doutorado? Talvez seja por isso que tenho dificuldade de chamar até médico de doutor. Qualquer “engravatado” quer ostentar um título que não possui: “pode me chamar de Doutor Fulano de Tal”. Dá vontade de perguntar: Qual foi sua tese de seu doutorado?
            Ser negro no Brasil é ser negro. Assim como ser branco é ser branco. O problema é quando se compara negro com branco, negro com criminalidade, negro com violência, negro com cota social, negro com alma branca e coisa do gênero...  aí coisa fica desigual.
            Talvez valha a pena fazer uma declaração: ser negro não doi, o que doi é ver a ignorância dos preconceituosos que esquecem que o sangue de suas veias também é da cor vermelha, igual a minha e de tantas outras pessoas ditas iguais ou diferentes.

            Por fim, nada mais triste do que uma pessoa que não aceita a si mesma. Defeitos e qualidades não são privilégios de raça ou credo é uma questão de humanidade.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Sabor da infância


         O sabor mais marcante da minha infância não vem do que eu comi, mas do que imaginei. Ele advém de uma figura de revista em quadrinhos, quando os netos sempre pegavam a torta de maçã americana que a vovó Donalda (Walt Disney) deixava esfriando no parapeito da janela.
         Eu ficava imaginando o sabor daquela torta, em especial quando os personagens falavam que era impossível comer apenas um pedaço. Confesso que até o cheiro ilustrado eu sentia.
         Anos se passaram e eu procurei essa torta por todos os lugares. Encontrei muita coisa boa, mas nenhuma chegava próximo da memória olfativa que ganhei pelas folhas dos gibis. Pode parecer loucura, mas eu sabia exatamente o que queria e o que procurava.
         Cheguei a experimentar tortas do Amor em Pedaços, Parmê, Tortarelli e outras empresas do ramo, mas sem qualquer sucesso.
         Desiludido, resolvi procurar uma receita que pudesse chegar próximo ao meu sonho e eu mesmo executar. Achei duas propostas e resolvi pegar a massa e a cobertura de uma e o recheio de outra. Minha esposa é radicalmente contra isso, pois fico com duas ou três receitas abertas no computador e (segundo ela) depois não sei qual estou fazendo.
         Muito a contragosto, ela me ajudou a executar a receita. Ao final, descobrimos a fórmula secreta e pudemos gritar EUREKA.
         Confesso que essa história de querer o sabor da infância rendeu boa DR (discutição da relação) e cheguei a ser chamado de louco, mas minha persistência à procura do sabor perfeito teve êxito.
         Tudo isso me confirmou uma verdade: se é possível sonhar, é possível realizar!
         Não sei se tenho uma nova receita, mas sei que o sabor, o aroma e o visual são iguais (ou bem próximos) àquele registrado na minha memória e que me fazia ficar com água na boca.

         Consegue caro leitor sentir o sabor da minha torta? Então venha experimentar e conheça o sabor da minha infância.

sábado, 6 de junho de 2015

Cozinhar ensina a ser uma pessoa melhor




Nunca pensei que a cozinha pudesse ser uma sala de aula e dali extrair lições tão preciosas.
Eu sou uma pessoa ansiosa por natureza e quero tudo para ontem. A cozinha confirmou o que devia ter aprendido: há tempo para todas as coisas. Nada cozinha antes do tempo, pega tempero fora do tempo ou conserva por tempo indeterminado sem perder qualquer das propriedades. O apressado come cru, quente ou congelado.
Aprendi que assim como quem quiser construir uma torre, primeiro se assenta e calcula o preço, para ver se tem dinheiro suficiente para completá-la, na cozinha não é diferente. Primeiro tem que comprar e conferir se os ingredientes estão presentes.
Aliás, os franceses chamam essa organização de mise en place, que consiste em separar todos os utensílios e ingredientes necessários para executar o prato. Os ingredientes devem ser medidos, e, se necessário, as verduraslegumes e carnes descascados e cortados, assim como os utensílios devidamente dispostos para manuseio.
Na cozinha aprendi a desenvolver a criatividade. Nada é exatamente como descrito na receita, de modo que não caiba o toque pessoal. Ainda aprendi que tudo é uma questão de causa e efeito, de modo que devo seguir atentamente a orientação do criador se quiser chegar ao resultado tal qual descrito na receita.
Foi cozinhando que confirmei como é bom ter os amigos à mesa, comendo o pão nosso de cada dia e em especial quando feito por nós e concedido pelo Senhor do trigo.
Aliás, nada melhor do que dar forma, aroma e sabor à matéria prima e ainda poder alegrar o coração daqueles que compartilham os nossos pratos. Se tudo é vaidade, envaidece provocar um sorriso de aprovação pelo resultado final.

Por fim, aprendi muito mais e ainda que descansar é uma necessidade e não tem nada mais relaxante do que descansar trabalhando na cozinha.