sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

A Senhora Mistério do bar da Lapa


         Eu fui garçom de um bar e já vi de tudo. Desde bêbados que bebem para esquecer que são bêbados, a homens desiludidos com o amor e que querem afogar suas mágoas num copo de bebida.   Mas nunca vou esquecer-me de Valquíria.
         Antes de falar de Valquíria, faz-se necessário falar do bar onde a memória encontra a Senhora Mistério. Depois eu explico o porquê desse título. O bar em questão está situado numa das regiões mais boêmias do Rio de Janeiro, a Lapa. Com a decoração inspirada no Rio Antigo, serve deliciosos petiscos e sanduíches e possui um belo espaço dedicado só para a música.
         Geralmente comparecem ao bar casais que sentam para uma boa conversa ou que procuram espaço para dançarem. Dificilmente uma pessoa entra sozinha e não sai acompanhada, exceto Valquíria, mulher jovem, bonita, corpo perfeito, discreta e muito educada.  Aparenta pertencer à classe média alta, mas a verdade é que no bar todos são iguais, salvo Valquíria, com seu ar imponente e presença marcante.
         Pois bem! Valquíria era figura certa às sextas-feiras. Chegava, sentava, pedia água mineral com gás e ficava mexendo em seu celular. Não chamava ninguém para dançar, recusava os convites para bailar e passava parte da noite bebendo sua água e consultando seu celular.
         Certo dia, morrendo de curiosidade, fui atendê-la e antes que ela falasse que queria o de sempre, ousei perguntar se ela esperava alguém. Educadamente, ela respondeu que aguardava uma pessoa. Indaguei-a se era a mesma pessoa que esperava nas noites anteriores. Sem se importar com minha invasão de privacidade, respondeu que sim.
         Fui pegar a água intrigado com aquela declaração, pois ela nunca se encontrou com alguém. Nem podia imaginar que por descuido não vira o companheiro dela, pois não somente eu, mas todos já perceberam que a Senhora Mistério entra e sai sozinha, daí o apelido bem apropriado e que aguça a curiosidade de todos.
         Quando voltei com a água, quebrei a norma de ser o mais discreto possível, regra de todos que trabalham com público, e novamente perguntei se ela tinha certeza que marcou no local certo o encontro, pois ela sempre saia do bar sozinha. Aí é que me surpreendi com a resposta dela, pois disse que sabia que a pessoa não compareceria, mas que ela não queria perder a magia do primeiro encontro e que essa força a fazia enfrentar a realidade do dia a dia.
         Falei que não compreendia como uma pessoa pode esperar alguém que sabe que não virá e como isso pode dar força para enfrentar a realidade. Ela simplesmente me explicou que foi naquele bar que encontrou o amor da vida dela e que foi muito feliz com ele. Certo dia, marcaram de se encontrar após o trabalho no local e no horário do primeiro encontro.
         Com ar melancólico, continuou explicando que um acidente fatal fez com que aquele encontro não acontecesse e desde então ela comparece ao local e imagina cada dia como seria o reencontro e o que tanto queria dizer a ele.
         Você acha que espiritualmente ele está aqui? Quis eu saber não mais como um simples garçom indiscreto, mas como uma pessoa sem noção e intrometida. Não, respondeu ela sem nenhum abalo emocional. Eu venho porque aqui fui feliz e quero manter a chama da felicidade dentro de mim. Nunca falei isso para ninguém porque também ninguém se interessou em perguntar.
         Agora que pude revelar meu segredo, vou beber uma bebida estupidamente gelada, disse ela não mais com a feição retraída. Animado perguntei se queria Bhrama ou Antártica. Ela sorridente disse: uma água mineral com gás.

         Depois disso, ela desapareceu e só a vi meses mais tarde numa praça, quando rimos bastantes dos nossos encontros e desencontros.  Sem mistério, Valquíria deixou de sonhar o que viveu e passou a viver o que sonhou. Minhas memórias passaram a ser dela e juntos formamos um casal feliz, com filhos e algumas memorias de um bar.