quinta-feira, 15 de setembro de 2011

AUDITORIA-FISCAL DO TRABALHO - 120 anos de Inspeção do Trabalho no Brasil


AUDITORIA-FISCAL DO TRABALHO - 120 anos de Inspeção do Trabalho no Brasil
Já raiou a liberdade no horizonte do Brasil

O povo que jazia em trevas viu grande luz, e aos que viviam na região e sombra da morte resplandeceu-lhes a luz. (Mateus 4:16)

            Uma senhora chamada Auditoria-Fiscal do Trabalho completou cento e vinte anos no dia 17 de janeiro de 2011. Integrando a estrutura do Executivo Federal, seu ‘corpo’ é formado pelos Auditores Fiscais lotados nos 26 estados federados. Seu ‘nascimento’ deu-se no período da República Velha, trazendo luz para as condições de trabalho dos menores trabalhadores, com a edição do Decreto nº 1.313, em 17 de janeiro de 1891, que em seu artigo 1º instituiu a fiscalização, subordinada ao Ministério do Interior, somente aos estabelecimentos fabris do Rio de Janeiro, então capital federal, sem eficácia territorial nas demais Unidades da Federação.
Contemporânea da Primeira Constituição Republicana, a auditoria trabalhista foi instituída de forma permanente e surgiu com um grande ideal: velar pela rigorosa observância da norma de proteção das condições dos menores a fim de impedir que, com prejuízo próprio e da prosperidade futura da pátria, sejam sacrificadas milhares de crianças(grifo nosso).
Como se nota, a novel inspeção do trabalho nasceu para garantir que os menores, futuro de qualquer nação, não fossem sacrificados através de ação desumana, trabalho insalubre, confinado, com jornada e descanso impróprios, dando a opção ao “Inspetor” de solicitar tanto a presença de um Engenheiro como de um Agente Sanitário, quando entendesse conveniente. Daí se evidencia a importância desde a sua gênese da ação da Inspeção que se dirige para garantir a segurança nos locais de trabalho bem como combater a exploração do homem pelo seu semelhante, apontando para a pacificação nas relações, agindo de forma ativa, preservando o cidadão, ajudando no crescimento da pátria.
Já no período de juventude, a Inspeção assistiu a valorização do trabalho com a criação do Departamento Nacional do Trabalho, pelo Decreto nº 3.550 de 16 de outubro de 1918. Entretanto, em 1919, com a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) por meio do Tratado de Versailles, o Brasil se comprometeu a implantar a Fiscalização Trabalhista no país.
Em 1923, o Decreto nº 16.627, de 30 de abril criou o Conselho Nacional do Trabalho. (SINAIT). Em 26 de novembro de 1930 foi criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, porém, apenas em 1931, com a promulgação do Decreto n.º 19.671-A, fora atribuída a inspeção do trabalho ao Departamento Nacional do Trabalho” (SANTOS, 2006).
As mudanças ocorridas no Brasil levaram à reboque a Inspeção do Trabalho: o período de 1918-1919, conhecido como regência republicana, foi marcado por diversos problemas sociais, refletidos por inúmeras greves de trabalhadores. A década de 20 foi marcada pelo movimento conhecido por Revolução de 1923 ou Revolução Libertadora. No meio da turbulência nacional, a Inspeção do Trabalho vai ganhando a importância devida.
Durante o Estado Novo, período em que Getúlio Vargas governou o Brasil de 1937 a 1945, momento este marcado pela regulamentação estatal, surge a Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943, com um capítulo específico dedicado à fiscalização. Como bem salientado pelo SINAIT:


A CLT foi um marco para a Fiscalização do Trabalho no Brasil, pois ela tornou a Inspeção do Trabalho uma atividade administrativa de caráter nacional e deu aos Inspetores do Trabalho o poder de penalizar os empregadores que descumprissem as leis trabalhistas.

A intervenção estatal na relação do trabalho não é novidade brasileira e ela surge ainda no berço da Inspeção do Trabalho, através do “Althorp Act, em 1833 na Grã-Bretanha, com a delegação do poder de fiscalização dos estabelecimentos submetidos às normas de proteção do trabalhador, autorizando, inclusive, a imposição de sanções aos respectivos infratores. Tal tendência difundiu pela maioria dos países, sendo seguida, conforme aponta GOMES, pela Prússia em 1853; na Alemanha em 1872; em 1873 na Dinamarca; em 1874 na França; "em 1877 na Suíça; em 1882 na Rússia; em 1906 na Itália; em 1907 na Espanha; em 1912 na Argentina; em 1913 no Uruguai e em 1919 no Chile.
Mas é em 1947 que surge “um dos mais importantes diplomas legais que disciplinam a Inspeção do Trabalho no mundo que é a Convenção nº 81, da Organização Internacional do Trabalho – OIT”, conforme palavras do ilustre Auditor Fiscal Lourival Cunha. Entre nós, a referida Convenção foi ratificada em 1957, por meio do Decreto nº 41.721, de 25 de junho, denunciada em 23 de junho de 1971 pelo Decreto 68.796, re-ratificada em 11 de dezembro de 1987, através do Decreto nº 95.461.
Como bem salientado pelo SINAIT:

Baseado na Convenção nº 81 foi criado o Regulamento da Inspeção do Trabalho - RIT, aprovado pelo Decreto nº 55.841, de 15/3/65, e idealizado pelo ministro Arnaldo Sussekind, e que se constitui em um importante instrumento para a Inspeção do Trabalho, tendo sido revisto em 2002, mantida, porém, sua essência.

O reconhecimento da fiscalização do trabalho como atividade estatal exclusiva veio com a promulgação da Carta de 1988 que no seu artigo 21, inciso XXIV, reconhece que é competência da União "organizar, manter e executar a Inspeção do Trabalho".
O Regulamento de Inspeção do Trabalho, previsto no Decreto nº 4552, de 27 de dezembro de 2002, criou o Sistema Federal de Inspeção do Trabalho e assegura, em todo o território nacional, a aplicação das disposições legais, no que concerne à proteção dos trabalhadores no exercício da atividade laboral. No mesmo ano, as carreiras de Auditoria Fiscal, entre elas a do Trabalho, foram regulamentadas pelas Leis n° 10.593, de 6 de dezembro de 2002 e posteriormente pela Lei nº 11.457, de 16 de março de 2007.
Como se pode verificar, a fiscalização trabalhista surgiu no horizonte do Brasil para trazer luz à relação de trabalho, possuindo alcance social, trazendo dignidade ao trabalhador brasileiro, libertando em alguns casos da garra da escravidão moderna, tão daninha como as relatadas em nossos livros de História.
Parece paradoxal que mesmo após 120 anos do início do combate ao trabalho infantil, ainda se encontre crianças e adolescentes trabalhando em condições insalubres, perigosas e penosas, contrariando as normas postas, exigindo cada vez mais a presença do Estado, representado pela Fiscalização Trabalhista, a fim de coibir e extirpar esse mal de nossa sociedade.
Aliás, a preocupação do Brasil em acabar com as anomalias do trabalho escravo e infantil refletem na instituição de grupos específicos para repressão desta chaga e ação conjunta com diversas Organizações Não-governamentais, a Polícia Federal e o Ministério Público do Trabalho, além de outros órgãos governamentais que desenvolvem programas complementares à atuação da Fiscalização do Trabalho.
O “pulso firme contra o trabalho escravo” fica evidente com as estatísticas que informam que “realizou-se 141 operações, inspecionados 305 estabelecimentos em 2010. Foram lavrados 3.926 autos de infração com pagamento de R$ 8.770.879,81, em indenizações, e no ano resgatados 2.617 trabalhadores”. (Secretaria de Inspeção do Trabalho - SIT).
A mesma fonte ainda informa que do período de 1995 a 2010 foram resgatados 39.169 trabalhadores em situação análoga a de escravidão (38.387, conforme a Revista Trabalho). Essa situação é simplesmente inimaginável, mas é real e nós, Auditores Fiscais do Trabalho, somos os responsáveis para ir à frente da batalha no afã de erradicar o trabalho escravo de nossas terras, como se fosse essa prática um inimigo querendo acabar com nossa paz.
Mas se a fiscalização trabalhista surgiu como foco de luz, não podemos desconsiderar que houve um período negro nas relações de trabalho, que teve origem na tentativa de escravização do aborígene, na “imigração” do escravo africano, prosseguindo na exploração de menores e mulheres e na falta de reconhecimento da dignidade humana entre os atores da relação de trabalho. Surge daí uma verdade incontestável: Trevas e luz não se comunicam, não dialogam, são oponentes, pois onde brilha a luz as trevas não subsistem. Foi por isso que Jesus quando se declarou a luz do mundo, afirmou que “quem o segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida” (Evangelho de São João 8.12).
Assim é que tentaram apagar a luz da liberdade em Unaí, estado de Minas Gerais, quando tiraram a  vida no dia 28 de janeiro de 2004 de três Auditores Fiscais e um motorista do Ministério do Trabalho. Eles foram assassinados enquanto apuravam denúncias de trabalho escravo em fazendas daquele município. O crime, que ficou conhecido como “Chacina de Unaí” vitimou os Auditores Fiscais Eratóstenes de Almeida Gonsalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva, além do motorista Ailton Pereira de Oliveira.
Muitos nessa hora talvez lembraram do questionamento da música 100 Anos De Liberdade - Realidade ou Ilusão? cantada pela agremiação mangueirense que diz Será que já raiou a liberdade ou se foi pura ilusão.... Como puderam cometer tão grande atrocidade contra o Estado aonde estavam lotados os sevidores, contra a classe dos Auditores Fiscais?  Como puderam fazer isso com o Brasil, pois uma ação como esta macula o país, mais ainda: macula a Inspeção Trabalhista no mundo, pois esta surgiu para pacificar as relações e não para ser vítima da intrasigência e caprichos dos exploradores desumanos.
Mas mesmo quando se retira uma brasa, não se apaga a fogueira e a chama continua irradiar, levando luz e calor aos que precisam ser protegidos... até com o mestre dos mestres tentaram apagar sua luz, mas foi a partir daí que todos foram iluminados com seus ensinamentos e influenciados com sua doutrina de esperança e amor ao próximo. De igual forma, a fiscalização do trabalho muito sentiu pelo baque ocorrido, mas o evento fádico fez com que seus membros não se esquecessem dos ideais defendidos pelos colegas injustiçados e fizessem justiça trabalhando com maior determinação, para que, após 120 anos de Inspeção do Trabalho no Brasil, a chama da liberdade continue raiando no horizonte do Brasil.
O país desenvolve-se e outras necessidades surgem. Mais uma vez a auditoria trabalhista tende a conquistar espaços importantes, como é o caso do conteúdo do Projeto de Lei 447/11, que propõe alteração na Lei nº 8.630, de 23 de fevereiro de 1993, reconhecendo o AFT como autoridade portuária competente para a fiscalização das condições e proteção dos trabalhadores nos portos, que passarão a ter a obrigação de manter, de forma integrada com os demais órgãos que lá atuam, também Auditoria Fiscal do Trabalho.
A prova de que a Fiscalização do Trabalho anda a passos largos, é a modernização que ocorre com a implementação de novas ferramentas que facilitam uma fiscalização pró-ativa, identificando irregularidades, convocando e realizando a fiscalização no próprio MTE, sem que o AFT precise deslocar-se à empresa,  tal qual a  realidade de outros órgãos fiscalizatórios. Entretanto, não se pode omitir que as condições ideais para a fiscalização trabalhista que atendam ao Princípio da Eficiência ainda não existem, sendo que a falta de recursos humanos e financeiros são a causa do comprometimento de uma ação plenamente eficaz e de um profissional altamente capacitado.
A letra do Hino da Independência do Brasil, traduz bem o sentimento que há atualmente na fiscalização:“Parabéns, oh Brasileiros, Já com garbo varonil;  Do Universo entre as Nações,  Resplandece a do Brasil”. De fato, conforme informação da Secretária de Inspeção, Vera Albuquerque, que foi escolhida para Presidente da Comissão de Normas, para Relatores e integrantes dos Grupos de Redação tanto da Comissão sobre Administração e Inspeção do Trabalho quato do Trabalho Doméstico na 100ª. Conferência Internacional do Trabalho da OIT, a Inspeção do Trabalho brasileira foi elogiada “pelos avanços e boas práticas, bem como foram inúmeros os países interessados em cooperação técnica conosco”. Segundo a Secretária, o elogio constou até no discurso do Diretor Geral da OIT, Juan Somavia.
O reconhecimento internacional demonstra que estamos no caminho certo. Demonstra também que nos 120 anos de Inspeção de Trabalho no Brasil aprendemos com nossas dificuldades e adotamos práticas que estão bem próximas do ideal, tanto aqui, quanto no mundo do trabalho.
Já raiou a liberdade no horizonte do Brasil... Bravos Auditores Fiscais do Trabalho, que a voz da igualdade seja sempre a nossa voz.


Autor: Carlos Alberto de Oliveira























Bibliografia


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BRASIL. Decreto-lei n.º 5.452, de 1.º de maio de 1943. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Rio de Janeiro, 9 ago. 1943.

BRASIL. Emenda Constitucional n.º 45, de 30 de dezembro de 2004. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 31 dez. 2004.

BRASIL. Lei n.º 5.172, de 25 de outubro de 1966. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 27 out. 1966.

BRASIL. Revista Trabalho – Edição Comemorativa. Ministério do Trabalho e Emprego, Brasília, 2010.

GOMES, José Cláudio de Magalhães, apud VIANNA, Segadas; TEIXEIRA, Lima. Inspeção do trabalho. In: SÜSSEKIND, Arnaldo. et al. Instituições de Dreito do Trabalho.  21. ed. v. 2. São Paulo: LTr, 2004, p. 1282.

Relatórios Específicos de Fiscalização Para Erradicação do Trabalho Escravo. Secretaria de Inspeção do Trabalho. Acesso em 10 ago 2011. Disponível em http://www.mte.gov.br/fisca_trab/quadro_resumo_1995_2010.pdf

SANTOS, Julio Simão dos. A inspeção dotrabalho e a nova competência da Justiça do Trabalho. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1258, 11 dez. 2006. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/9270>. Acesso em: 6 jun. 2011.


SINAIT. Breve Histórico da Inspeção do Trabalho. Disponível em http://www.sinait.org.br/audi_historico.php.