Eu fui garçom de um bar e já vi de tudo. Desde bêbados que
bebem para esquecer que são bêbados, a homens desiludidos com o amor e que
querem afogar suas mágoas num copo de bebida. Mas
nunca vou esquecer-me de Valquíria.
Antes de falar de Valquíria, faz-se necessário falar do bar
onde a memória encontra a Senhora Mistério. Depois eu explico o porquê desse
título. O bar em questão está situado numa das regiões mais boêmias do Rio de
Janeiro, a Lapa. Com a decoração inspirada no Rio Antigo, serve deliciosos
petiscos e sanduíches e possui um belo espaço dedicado só para a música.
Geralmente comparecem ao bar casais que sentam para uma boa
conversa ou que procuram espaço para dançarem. Dificilmente uma pessoa entra
sozinha e não sai acompanhada, exceto Valquíria, mulher jovem, bonita, corpo
perfeito, discreta e muito educada.
Aparenta pertencer à classe média alta, mas a verdade é que no bar todos
são iguais, salvo Valquíria, com seu ar imponente e presença marcante.
Pois bem! Valquíria era figura certa às sextas-feiras.
Chegava, sentava, pedia água mineral com gás e ficava mexendo em seu celular.
Não chamava ninguém para dançar, recusava os convites para bailar e passava
parte da noite bebendo sua água e consultando seu celular.
Certo dia, morrendo de curiosidade, fui atendê-la e antes
que ela falasse que queria o de sempre, ousei perguntar se ela esperava alguém.
Educadamente, ela respondeu que aguardava uma pessoa. Indaguei-a se era a mesma
pessoa que esperava nas noites anteriores. Sem se importar com minha invasão de
privacidade, respondeu que sim.
Fui pegar a água intrigado com aquela declaração, pois ela
nunca se encontrou com alguém. Nem podia imaginar que por descuido não vira o
companheiro dela, pois não somente eu, mas todos já perceberam que a Senhora
Mistério entra e sai sozinha, daí o apelido bem apropriado e que aguça a
curiosidade de todos.
Quando voltei com a água, quebrei a norma de ser o mais
discreto possível, regra de todos que trabalham com público, e novamente
perguntei se ela tinha certeza que marcou no local certo o encontro, pois ela
sempre saia do bar sozinha. Aí é que me surpreendi com a resposta dela, pois
disse que sabia que a pessoa não compareceria, mas que ela não queria perder a
magia do primeiro encontro e que essa força a fazia enfrentar a realidade do
dia a dia.
Falei que não compreendia como uma pessoa pode esperar
alguém que sabe que não virá e como isso pode dar força para enfrentar a
realidade. Ela simplesmente me explicou que foi naquele bar que encontrou o
amor da vida dela e que foi muito feliz com ele. Certo dia, marcaram de se
encontrar após o trabalho no local e no horário do primeiro encontro.
Com ar melancólico, continuou explicando que um acidente
fatal fez com que aquele encontro não acontecesse e desde então ela comparece
ao local e imagina cada dia como seria o reencontro e o que tanto queria dizer
a ele.
Você acha que espiritualmente ele está aqui? Quis eu saber
não mais como um simples garçom indiscreto, mas como uma pessoa sem noção e
intrometida. Não, respondeu ela sem nenhum abalo emocional. Eu venho porque
aqui fui feliz e quero manter a chama da felicidade dentro de mim. Nunca falei
isso para ninguém porque também ninguém se interessou em perguntar.
Agora que pude revelar meu segredo, vou beber uma bebida
estupidamente gelada, disse ela não mais com a feição retraída. Animado
perguntei se queria Bhrama ou Antártica. Ela sorridente disse: uma água mineral
com gás.
Depois disso, ela desapareceu e só a vi meses mais tarde
numa praça, quando rimos bastantes dos nossos encontros e desencontros. Sem mistério, Valquíria deixou de sonhar o que
viveu e passou a viver o que sonhou. Minhas memórias passaram a ser dela e
juntos formamos um casal feliz, com filhos e algumas memorias de um bar.
Excelente texto!
ResponderExcluirParabéns!
Que venham novas possibilidades permeadas por letras que nos fazem imaginar ilimitadamente! Afinal, ler foi, é e sempre será a forma de viajar sem sair do lugar.
Grato Cristiane Costa!
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